domingo, 6 de março de 2016

DA PARÁBOLA DO PAI MISERICORCIOSO

«Quando ainda estava longe, o pai avistou-o»


«Vós conheceis à distância o meu próprio pensar. Estais atento a todos os meus passos» (Sl 138, 2-3). Enquanto sou viajante, antes da minha chegada à pátria, compreendeste o meu pensamento. Pensai no filho mais novo, que partiu para longe. […] O mais velho não partiu para longe, trabalhava nos campos, simbolizando os santos que, respeitando a Lei, observavam as práticas e os preceitos da Lei.

Mas o género humano, que se tinha desviado para o culto dos ídolos, tinha «partido para longe». Com efeito, nada está tão longe daquele que te criou como essa imagem que modelaste para ti. O filho mais novo partiu, pois, para uma região distante, levando consigo a sua parte da herança e, segundo nos diz o Evangelho, esbanjou-a. […] Mas, após tantas infelicidades e tanto abatimento, depois das provas e do desenlace, recordou-se do pai e quis regressar para junto dele. Disse então: «Levantar-me-ei e irei ter com meu pai.» […] Não é verdade que Aquele que abandonei está em toda a parte? É por isso que, no Evangelho, o Senhor nos diz que o pai «foi ter com ele». É que Ele conheceu à distância o seu pensar, pois estava atento a todos os seus passos. Que passos são esses, senão os maus caminhos que ele tinha seguido para abandonar o pai, como se pudesse esconder-se do seu olhar que chamava por ele, ou como se a miséria esmagadora que o reduzira a ser guardador de porcos não fosse o castigo que o pai lhe infligira, a fim de o levar a regressar? […]

Deus ataca as nossas paixões, para onde quer que vamos, por muito longe que nos encontremos. É por isso que, qual fugitivo detido, o filho diz: «Vós conheceis à distância o meu próprio pensar. Estais atento a todos os meus passos.» Os meus passos, por longe que me levassem, não puderam afastar-me do teu olhar. Tinha andado muito, mas Tu estavas aonde cheguei. Mesmo antes de eu lá entrar, mesmo antes de eu ter começado a andar, já Tu me tinhas visto. E permitiste que seguisse os meus caminhos na dor, para que, se não quisesse continuar a sofrer, regressasse a Ti. […] Confesso a minha culpa diante de Ti: segui o meu próprio pensar, afastei-me de Ti; abandonei-Te, a Ti, junto de quem estava tão bem; e, para meu bem, sofri por me encontrar sem Ti. Porque, se não tivesse sofrido sem Ti, talvez não tivesse querido regressar a Ti.

S. AGOSTINHO

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