segunda-feira, 30 de outubro de 2023

SONETO DA MINHA SAUDADE

 "Meu filho, vai dormir, estás cansado",
Mandaste, pouco antes da partida.
Se eu atendesse, ó Mãe, o teu recado,
Teria agora a alma mais dorida.

Mas eu fiquei ali, sempre a teu lado,
Pedindo a Deus te conservasse a vida.
E tu, Mãezinha, deves ter gostado
De não seres então obedecida.

Poisaste nos meu olhos doloridos
Esses teus olhos já descoloridos,
Como a dizer o derradeiro adeus.

Fechaste-los, depois, devagarinho...
Beijei-tos, em seguida, com carinho
E assim ficaram, para ver a Deus!

Modesto

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

ESTAÇÕES DO ANO QUE VIVI

 Fui contando meus anos lentamente,
Lembrando as estações que neles tive:
Em Novembro nasci; o sol poente
Parecia uma aurora cor de bibe.

E tive Primaveras luminosas
Com pereiras toucadas, a lembrar
As noivas a caminho do altar,
Com sorrisos vermelhos como rosas.

Tinha cada Verão sua magia:
O sol estava mais perto de nós,
Vestia-se de gente em romaria
Com filhos, pais, irmãos, netos e avós.

Ai os meus Outonos, com as vinhas cheias
De futuro licor, a recordar
Bodas, aniversário, longas ceias,
Onde brilhava a luz familiar!...

Tinham as árvores seus troncos nus,
Uma dor invadia a minha alma,
Porém, o nascimento de Jesus
Era uma luz divina a dar-me calma.

Na vida tive lágrimas, sorrisos,
Perfumes, sestas, cachos e nevões,
Auroras, alegrias, paraísos,
Tristezas, purgatórios e tufões.

Modesto


domingo, 15 de outubro de 2023

VAI-TE EMBORA!

 Oh, deixa-me, Poesia, vai-te embora!
Eu quero descansar, dormir... morrer,
Nas profundezas frias do meu ser 
Não surgirá jamais réstia de aurora!

No meu peito cansado já não mora
O amigo - doce gosto de viver:
Alguém me semeou lá um mal-me-quer
E matou-me a alegria, nessa hora!

Não me perguntes, não, quem lá plantou
Aquela flor do mal que me roubou
Do coração feliz toda a alegria.

Respeita-me o silêncio e a grande dor
De quem suplica o último favor:
Afasta-te e não voltes, Poesia!

Modesto

terça-feira, 10 de outubro de 2023

LEVANTA-TE CORAÇÃO!

 Ai quanto desejava ser esteta
Que desse cor ao gesto bem cristão
De quem vive em pobreza, irmã dilecta,
Mas tem sempre que dar no coração!

Ai quanto desejava ser poeta
Para tecer um hino bem loução
Em que minh' alma, toda recolecta,
Cantasse em todo o ser um seu irmão!

Às vezes há tristeza: ando tristonho
Por julgar incumprido o lindo sonho
Que me foi seduzindo vida além!

Mas outras, Santo Deus!, dentro do meu peito,
Eu sinto, na lembrança do Bem feito,
Que fui passando a vida a fazer bem.

Modesto

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

OUTONO PRIMAVERIL

 Deixa-me só, mais uma vez te peço.
Sentado à sombra com meu olhar triste.
Não te aflijas: quanto em ti existe
Só pode causar em mim maior sucesso.

Em mim, só o silêncio faz progresso...
Ave sem ninho, a dor é meu alpiste;
Mas por certo no meu rosto jamais viste
Sinal de sofrimento nele impresso.

Casado com a dor, vivo radiante;
Adoro o meu silêncio repousante,
Nem mesmo o rouxinol ouvir quisera...

Deixa-me só ao pé da mesa triste.
Embora a dor avance, espada em riste.
No meu Outono há sempre Primavera!

Modesto

AO RITMO MONÓTOMO DA MÓ

 Pôs-se o sol. Já a Ísis, vestida De luz plena, estes montes prateia. E a ribeira que de água vai cheia, A embalar-me, abstrai-me da vida. P...