O SIM DE MARIA

 Numa linda manhã de Primavera,

A terra ouviu o sim da Encarnação.

Veio pedi-lo o Arcanjo e foi então

Que o Verbo Eterno carne se fizera.

Quando o tempo chegou, o Homem nascera,

De gruta tosca em frígido desvão:

Vem retirar do trono o velho não

E entronizar o sim da nova era.

... Se o mundo continua ainda velho

E não deixa florir o Evangelho,

Tentemos transformá-lo num jardim:

Ao não da guerra, ao não da malquerença,

Vamos opor-lhe, com ternura imensa,

A paz e o amor dum transformante SIM!

ABRAÇA A PRIMAVERA

 Escuta, ó minha querida: Que aragens

Traz do arvoredo a fresca romaria;

Como este sol é rubro de alegria,

Que tons de luz nas límpidas paisagens!

Pois, bebe este ar e goza estas viagens

Das brancas aves, sente esta harmonia

Da Natureza e deste alegre dia

Que resplandece e ri-se nas ervagens!

Deixa, lá fora, estrangular-se o mundo...

Encara o céu e revê este fecundo

Chão que produz e que germina as flores.

Vamos, menina, abraça a Primavera,

E, numa doce música sincera,

Canta a balada eterna dos amores...

A GRAÇA NUM OLHAR

 Não me olhes assim, como se foras

Inquisidor real. Olhar fraterno

Bem pode transformar o meu inferno

Num éden de acalmias salvadoras.

Vivo o tormento indómito das horas

Que pesam como chumbo e sem governo:

Há dias, noites, há verão e inverno,

Outonos, primaveras olorosas.

Mas para mim existem tão somente

As horas de negrume e o frio algente

Dum inverno sombrio que não passa!

Não me fites assim tão agressivo.

Um olhar terno, doce e compassivo

É sacramento portador de graça...

A ANDORINHA

 Ei-la que volta, alegre e prazenteira,

Em busca do beiral do meu telhado:

De primavera grácil mensageira,

Veste de luto, mas não tem pecado.

De novo aqui pousada à minha beira,

Fita-me triste de me ver cansado,

Depois, revoluteando sobre a eira,

Convida-me a segui-la, em voa alado.

- Não sabes, andorinha, pois não sabes

Que o homem não tem asas como as aves

Para voar liberto nos espaços?

Voa, revoa, cruza os teus roteiros,

Ziguezagueia entre olmos e salgueiros,

Mas não te rias, não, dos meus cansaços...

Modesto

RAIZ

 Minha raiz humana estava presa

Aos avós, aos pais e aos irmãos;

Às festas, ao redor daquela mesa,

Onde se uniam corações e mãos.

Havia um amor quase divino,

Entre as jarras humanas desse lar;

Prenda de anos, sorriso purpurino,

Pois nele se sentia o verbo amar.

Mas o arbusto cresceu e o sol da vida

Foi aquecer depois outras paragens...

E a árvore do lar foi carcomida

E morreram as infantis imagens.

E o inverno do amor fez-se sentir,

O tempo corrosivo assim o quis;

E a seiva da família com raiz,

Secou e nunca mais pôde subir.