VOAR NO DESERTO

Alma minha, alma impenitente,
Erma e turva região sombria,
N' água do mar flutuas inclemente...
À desolação chegaste um dia|!

E no deserto tórrido e quente,
Onde a Luz mais forte irradia...
A tua voz nostálgica, plangente
Vibrou, chorou, clamou por Ti um dia!

Pomba de misteriosos mistérios
Ruflaste asas por azuis sidérios,
Ébria de clamores que te salvam.

Há corações que 'inda te buscam
Pensam que és sol e 'inda t' escutam...
És pó da terra, areias que calam!

Modesto

REALIDADE E SONHO

Minha vida evaporou-s' em luta insana,
No caminho em qu' às lutas me dedicava.
Pudesse modificar a alma humana...
Um sonho de utopia imaginava!

Em muitos astros da minha mente ufana
Numa existência doce m' enlevava...
O mal secular envolve a alma humana:
Não sabia qu' a vida não recuperava!

Acreditava qu' o mundo era leal,
Não enxergava o que havia de mal
E pintava o mundo todo cor de rosa

Ao passar os anos vê-s' a realidade.
Sabendo que só há a única verdade...
A vida sonhada é dif'rente da prosa!

Modesto

ALVORECER NA PRAIA

Alvorece, luz clara, manhã fria,
A bruma veste a praia escura.
Ond' estavas quando a lua dormia,
Ó astro-rei no céu-luz em lonjura?

É tão clara a luz que alumia
Os olhos e num quadro sem moldura..
Vá! mostra-me o céu dum novo dia
Que outro céu, no mar, se transfigura!

No espaço o sol, nuvens algumas,
O mar sem ondas,ondas sem espumas,
Tu vês de cima, em baixo o mundo...

Brisa, leva-me para onde vais!
As naus voltam sempre ao mesmo cais,
Mas partem sempre par' o mar profundo!

Modesto

RIO DOURADO

Água dourada que corres no rio,
Embalam-me os teus suaves cânticos,
Tu serpenteias em curvas a fio,
Por entre seixos brilhantes, românticos!

O teu sussurro eterno e doce
Hipnotiza-me - olho devagar...
Deixa-m' ir como s' afluente fosse!
Eu vou como s' estivess' a sonhar!

A água dourada é amizade.
Teus brilho é pra mim como verdade,
Água barrenta lembra união!

Teu murmúrio é de alegria,
Envolves-me em doce fantasia,
Vais alimentando  minha paixão!

Modesto

OS NOSSOS FILHOS

A vida renova-se cada dia:
Um lar cheio de filhos sob o tecto!
Basta viver a vida com alegria,
Dando carinho e muito afecto...

Tornar a vida num mar de amores!
A espera, cada dia - suplício -
Pois vão-se os filhos, ficam as dores
Que tornam a vida num sacrifício.

No entanto, basta qu' eles retornem
Para que as tristezas se transformem
Em dias florescentes, cintilantes!

Os dias revestem-se de amores
Perfumados como néctar de flores...
A vida resplandece, por instantes!

Modesto

O MESMO OBJECTIVO

Fomos brincar para o rio Douro
E escolhemos a praia mais nobre.
Os ricos brincavam com seu tesouro,
Nós dois brincamos com coisas de pobre.

Os ricos lapidavam seu tesouro,
Pra fazer uma Cruz d' ouro e cobre.
Mas os dois não tinham peças de ouro...
Só lapidavam as coisas de pobre.

Queríamos fazer obras d' amor:
Peças lindas of'recer ao Senhor
Para agradecer a Sua Luz.

Tinham Cruz d' ouro, castelos d' areias!
E zombavam das nossas coisas feias...
- Mas fizemos na mesma uma Cruz!

Modesto

RECANTOS DE LAZER

Sob  os raios do sol e do luar
Vou, na companhia dos passarinhos,
 viver dias e dias a sonhar
 E lá vou compondo os meus versinhos.

E se vem chuva triste reclamar
Do vento, por fazer redemoinhos,
Digo qu' o tempo passa devagar,
Sempre reclamando de 'star sozinho...

Aqui, lindas canções eu escutei
E algumas lágrimas eu chorei,
No dia da Senhora das Candeias...

Ao lembrar-me dos sonhos que sonhei,
Senti o sangue a correr nas veias
E caminhei plas macias areias...

Modesto